Monday, March 5, 2007

DEMOCRACIA? QUAL DEMOCRACIA?

“A tirania serve-se ordinariamente do arbítrio, mas quando é necessário ela sabe ultrapassá-lo.”

Alexis de Tocqueville in “Da Democracia na América”


De uma forma concisa e simples, assim pensava Alexis de Tocqueville, Magistrado francês, enviado para os E.U.A a fim de conhecer o funcionamento do seu sistema prisional em 1831, num livro, escrito entre 1835 a 1840, onde manifesta a sua admiração e reflexão sobre o modelo liberal-democrático Norte-Americano, que considerava muito mais equilibrado que os sistemas políticos saídos das Revoluções Liberais Europeias, e o desenvolvimento político, económico, social e cultural de uma jovem nação que ousou defrontar a mais poderosa superpotência económica e militar do mundo na altura, a Grã-Bretanha, e mostrar o seu poder e influência ao mundo que, por um lado, duvidou das suas capacidades, e por outro lado, enalteceu as suas ideias, princípios e valores.

Radicais mas nunca incoerentes e ultrapassadas, as ideias extraídas do pensamento deste simples Magistrado francês, hoje, uma referência obrigatória no pensamento liberal mundial, retratam problemas e levantam questões sobre o futuro das democracias num mundo capitalista, materialista e individualista como é o mundo actual. É impressionante como um homem do século XIX foi capaz fazer um retrato tão profundo da América, assim como foi capaz de exprimir ideias tão concretas e polémicas sobre o mundo contemporâneo que ainda hoje permaneçam actuais, mesmo estando o autor em causa e o mundo actual separados por dois séculos de distância, levantando questões como a questão que me levou a escrever o título deste artigo e citar este autor tão polémico e, ao mesmo tempo, tão actual, como foi Alexis de Tocqueville no seu tempo: SERÁ QUE ACTUALMETE VIVEMOS NUMA DEMOCRACIA?

Para quem acabou de ler esta pergunta, poderá pensar que a questão não se coloca, por considerá-la um absurdo ou até mesmo uma ousadia colocá-la, trinta e dois anos (vai fazer trinta e três anos, em Abril deste ano) depois da Revolução de 25 de Abril de 1974 e a consolidação da “Democracia”, após o contra-golpe (falhado) do 25 de Novembro de 1975, a promulgação da Constituição da República Portuguesa e das primeiras eleições “livres e democráticas” em 1976. Contudo, o meu propósito em colocá-la não é fazer, de forma alguma, uma provocação infundada, mas antes um convite ao(s) caro(s) leitor(es) deste blog a uma profunda reflexão acerca de um conjunto de dúvidas pertinentes com a pergunta em questão.

Se consultarmos um dicionário e encontrarmos a palavra “Democracia” encontraremos certamente plasmado, de uma forma genérica, a seguinte definição: “forma de governo em que a autoridade emana do povo.” Conceito esse, que serviu de mote a uma célebre frase de Abraham Lincon, no seu célebre discurso, proferido em Gettysburg em 1863: “Democracia é o poder do povo, pelo povo e para o povo”. Ora, se numa Democracia, o governo detém legitimidade e autoridade de um poder emanado pelo povo, quando este é chamado às urnas nos períodos eleitorais, como posso considerar democracia um regime em que os cidadãos votam em Representantes que, maioria deles não conhece, só liga aos seus eleitores quando chegam as campanhas eleitorais e apenas respondem pela vontade e decisões dos partidos que os apoiaram, mesmo quando essas vontades e decisões vão contra muitos dos desejos, esperanças e necessidades dos eleitores que votaram nesses mesmos representantes? Será a vontade dos partidos políticos mais importante que a vontade do povo numa Democracia?

Se Democracia é um regime fundado na liberdade de imprensa, como é que eu posso considerar livre, um país que permite formas indirectas de auto-censura nos meios de Comunicação Social, levando jornalistas muitas vezes a abandonar as suas carreiras ou recorrendo a chantagens psicológicas sob a forma de ameaça de despedimento e convites a outros órgãos de comunicação social e empresas do sector à não-contratação de um jornalista que nada mais fez que o seu dever de cidadão em denunciar a mentira e divulgar a verdade? Como posso chamar Democracia ,um regime que não permite em certos talk-shows televisivos o princípio do contraditório, chegando mesmo a permitir jornalistas e moderadores a fazer comentários parciais, deturpando a imparcialidade e isenção que deviam ter num debate que se deseja sério e conclusivo? Como posso chamar Democracia um regime que não “sonda” sondagens de opinião que demonstram pseudo-Estados de graça a governos de certa cor política, num momento em que o país atravessa uma grave crise e uma grande contestação social contra um governo que em tudo mentiu, pouco ou nada cumpriu e prejudica constantemente o seu próprio povo, ou mesmo não investiga certos órgãos de comunicação social por utilizarem comentadores que nada mais fazem do que simplesmente defender as opções do governo e do regime? Será que não existem opiniões contrárias numa Democracia?

Se Democracia é um regime fundado na liberdade política e no respeito, defesa e igualdade de direitos dos cidadãos, como posso considerar Democracia um regime aonde directórios partidários decidem sobre matérias que deviam ser da única e exclusiva competência e vontade de cada cidadão como as candidaturas a cargos públicos (autarca, deputado, primeiro-ministro ou Presidente da República), independente de pertencer a uma força política ou não, chegando mesmo a censurar e ostracizar candidaturas espontâneas e independentes, que desafiam a vontade dos dirigentes partidários para os cargos públicos, a que concorrem por direito, como aconteceu com a candidatura de independentes como Manuela Magno e de Manuel Alegre em 2005? SÓ OS PARTIDOS POLÍTICOS É QUE DEVEM TER O MONOPÓLIO DA DEMOCRACIA?

Se Democracia é um regime fundado na igualdade e respeito pelos direitos dos cidadãos, como o direito de participação cívica na vida da polis (Comunidade), ou seja, na vida política, então como é possível admitir violações claras e repugnantes de direito de antena a candidatos de partidos/movimentos minoritários ou (quase) inexistentes nas sondagens, nos debates políticos e nos frente-a-frente eleitorais, por parte de certos órgãos de Comunicação Social, nomeadamente canais de televisão que, em nome da guerra de audiências e de sondagens ambíguas e duvidosas, apenas convidam os candidatos das principais forças políticas representadas na Assembleia da República, ou então, os líderes dos principais partidos políticos portugueses do famigerado “Bloco Central”? Será a Comunicação Social, o “Quinteto fantástico” dos cinco grandes partidos políticos portugueses representados na A.R ou, mais propriamente, os dois partidos do “Bloco Central” mais importantes que o País, a Democracia e o Povo Português?

Se Democracia é um regime pautado pela livre participação cívica activa na vida política e pela concorrência, como posso chamar democrático, um país aonde se assistem a verdadeiros plebiscitos eleitorais em associações públicas dos mais variados tipos (Ex. Partidos, Sindicatos, Clubes desportivos, Cooperativas Associações cívicas, etc.), permitindo a existência de candidaturas únicas, umas por vontade da direcção, outras por vontade de uma pessoa só, negando pela coação ou pressão política, muitas vezes fundamentadas em estatutos com normas profundamente antidemocráticas, fidelidade partidária ou associativa cega, candidaturas independentes alternativas, apenas pelo facto de serem alternativas às actuais direcções e políticas exercidas por essas mesmas direcções que não concordam? Estará a liberdade estatutária, as direcções dessas associações e candidatos únicos acima da Democracia e dos direitos e Conquistas que Abril trouxe (ou deveria ter trazido) para Portugal e para os Portugueses?

Se mudança e alternância são sinónimos de Democracia e a Política é uma missão de tempo limitado e de acesso a todas as gerações, como poderei chamar democracia um regime que permite uma duração ilimitada nos mandatos dos detentores dos cargos públicos e associativos, gerando situações de caciquismo, autoritarismo, conformismo e estagnação em certas associações, governos nacionais, regionais e autárquicos? Será que resignação, comodismo, conformismo e caciquismo novos sinónimos a acrescentar ao conceito enciclopédico de Democracia, tal como a conhecemos?

Se Democracia é um regime pautado na dignidade e respeito pela justiça, lei, ética e vontade de povo, que dizer de um regime que conclui e arquiva processos penais para as calendas gregas, inventa desculpas processuais, maioria injustificadas, e entraves burocráticos absurdos para desresponsabilizar um Estado que não dá o exemplo e a imagem de um genuíno Estado de Direito e de pessoa de bem para a Sociedade que representa, bem como desresponsabilizar um governo que mente e não cumpre e uma classe política que não ouve nem representa os cidadãos que a elegeram, mesmo quando estes, pessoal e livremente apresentam as suas queixas sob a forma de petições contra acções injustas do Estado contra os seus interesses e o interesse de Portugal, uma Democracia?

Será Democracia um regime em que a mentira é mais importante que a verdade? Será Democracia um regime que permite que a classe política e certos grupos da sociedade Portuguesa considerados “intocáveis” façam o que bem lhes apetece fazer, sem que o povo tenha uma palavra a dizer e uma acção a fazer?

Quando uma democracia tolera que a mentira substitua a verdade no debate político e o favor substitua o mérito é quase como dizer que está a cavar a sua própria sepultura ou então abrir uma porta para o regresso da Tirania. E quando um regime exige a supremacia cega e intolerante dos interesses do Estado sobre o indivíduo, não tenhamos medo em chamar esse regime pelo seu verdadeiro nome: Fascismo. Afinal de contas, com tantas interrogações e contradições que a nossa III República apresenta, creio que qualquer cidadão sensato faria na mesma a questão que coloquei neste blog:

DEMOCRACIA? QUAL DEMOCRACIA?


O PROFETA LUSITANO