Sempre que em Portugal se inicia mais uma campanha eleitoral para a Presidência da República regressa ao âmago do debate político nacional a questão dos poderes do Presidente. Durante décadas gastou-se muita tinta e muita saliva sobre a verdadeira importância do primeiro magistrado da nação, sem nunca responder a uma pergunta que, ainda hoje, inquieta muitas cidadãs e cidadãos portugueses: Para que serve um Presidente numa República?
Imbuídos pelos modelos francês e alemão, os primeiros republicanos portugueses revelaram a sua preferência, desde muito cedo, por um sistema onde o Presidente fosse uma figura de Estado nomeada pelo parlamento com um mandato fixo, segundo a Constituição, e não escolhido, apenas por pertencer a uma determinada família ou providência divina, derivada de uma lenda ou de um acontecimento que estivesse na origem de uma nação e de um povo, como acontecia com o regime monárquico. Noventa e oito anos depois é curioso verificar como esse “pensamento monárquico” ainda vigora na mente subconsciente da maioria da nossa classe política e da nossa sociedade.
Mas será que nós vivemos numa “república monárquica” ou numa “monarquia republicana”? Num regime semipresidencialista strito sensu como o nosso, os pontos em comum entre Monarquia e República são diversos. Senão vejamos: nos termos do artigo 139º da CRP, o Presidente da República possui um poder importante que é o direito de veto, aplicado quando o principal magistrado da nação entende que determinada lei apresentada pelo parlamento é inconstitucional. Julgam que isso só acontece num regime semipresidencialista? Errad0! Nos termos do art. 10º da Carta Constitucional (a lei fundamental da Monarquia Constitucional, que foi abolida com a implantação da República e a promulgação da Constituição de 1911), os reis da Monarquia Constitucional possuía um poder idêntico chamado “Poder Moderador” que também conferia o direito de veto por parte do rei sobre as leis do parlamento, caso elas fossem contra o espírito da Carta Constitucional. Nos termos do art.136º, e) da CRP, o Presidente da República pode dissolver o parlamento. A sério? Mas isso é o que o art.74, nº3 da Carta Constitucional também conferia aos reis da Monarquia Constitucional! Nos termos do art.137º, j) CRP o Presidente da República pode conferir condecorações, nos termos da lei, e exercer a função de grão-mestre das ordens honoríficas portuguesas. Verdade? Mas esse também era um dos poderes dos reis da Monarquia Constitucional, segundo a Carta Constitucional! O Presidente da República compete ratificar os tratados internacionais e nomear embaixadores. Palavra? Mas os reis da Monarquia Constitucional também podiam, segundo a carta! O Presidente da República pode convocar extraordinariamente o parlamento e marcar o dia das eleições. A sério? Mas os reis da Monarquia Constitucional também podiam, segundo a Carta Constitucional! Num sistema semipresidencialista, o Presidente da República é apenas o chefe de Estado e das Forças Armadas: Chefia o Estado mas não governa. Palavra? E os reis da Monarquia Constitucional eram o quê, para além de figuras supra-partidárias e símbolos do regime? Nos termos da alínea f do artigo 137 da CRP, o Presidente da República pode “indultar e comutar penas, ouvindo o governo”. Curioso: Essa não era a moldura penal usada pelos “Déspotas esclarecidos” dos regimes Absolutistas e pelos ditadores absolutos, como forma de demonstração do seu poder arbitrário, perante o seu povo? Num Estado de Direito, não devia vigorar a divisão dos poderes e a independência dos Tribunais no cumprimento das penas, que é um princípio sagrado do Direito Penal. Deve um Presidente da República, que pode até mesmo não ser um licenciado em Direito considerar inocente um arguido que um tribunal considerou culpado?
Mais: num país pobre como Portugal, justifica-se as regalias e os “séquitos presidenciais” aquando das suas visitas de estado ao estrangeiro, como aconteceu durante os dois mandatos presidenciais do Dr. Mário Soares, qual Luís XIV pavoneando-se com o seu “séquito real” no estrangeiro como um monarca se tratasse? Fosse qual fosse o tipo de democracia, um Presidente da República não deveria dar um verdadeiro exemplo de “ética republicana” perante o resto do mundo? Ou será que em democracia também existem “vacas sagradas” às quais tudo se tolera, tudo é permitido?
Estas e mais algumas questões reflectem o quanto incongruente e paradoxal é o “Híbrido” Semipresidencialismo português (isto, para não falar do mundial). Um sistema que conferiu a Portugal uma estabilidade política incerta (em 32 anos de “democracia” tivemos cerca de DEZASSETE governos constitucionais) e de coabitação dúbia e ambígua, como aconteceu no tempo em que o Dr. Pedro Santana Lopes era primeiro-ministro de Portugal, feita em nome de uma “paz podre” e de um acordo tácito entre os principais partidos do actual regime, simplesmente interessados em manter e gerir o poder pelo poder, e não resolver os principais problemas dos portugueses e salvaguardar os interesses da nação.
Um república que represente verdadeiramente os seus cidadãos e se comporte como uma genuína “Res Pública”, como definia Platão, e não como uma miscelânea de dois regimes, completamente diferentes um do outro, precisa de uma figura que, não só represente e chefie o Estado a que preside como tenha plenos poderes para resolver os problemas do seu povo, não só através do “dom da palavra” e das “presidências abertas”, digo, “roteiros de inclusão”, mas sim de verdadeiros poderes executivos, capazes de executar as reformas ou as medidas necessárias para fazer levantar o prestígio de uma nação e de um povo, que vai fazer nove séculos de História. E essa figura só pode ser o Presidente da República: Um presidente da República eleito por sufrágio universal directo e secreto a chefiar o Estado e o governo de uma nação de quatro em quatro anos, com limitação de dois mandatos, (com direito a um vice-presidente, que o represente aquando das suas visitas de estado ao estrangeiro ou o substitua por demissão, condenação ou por morte), não só confere uma maior estabilidade política como também uma maior legitimidade política e a confirmação do verdadeiro ideal democrático: o ideal que qualquer cidadão ou cidadã possa chegar ao cargo político que possui os poderes para decidir os destinos do seu país e do seu povo, independentemente ou não do apoio de uma força ou de um conjunto de forças políticas partidárias.Não é à toa que nos E.U.A, os americanos considerem os seus presidentes os “funcionários do povo” ou “os funcionários públicos nº1”. Precisamente por eles depositarem apenas numa única figura de estado um poder que apenas deve vir do povo, pelo povo e apenas para o povo, e não do partido, pelo partido e apenas pelo partido, como acontece nas democracias semipresidencialistas e parlamentares.